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O Real Convento de Thomar e a organização da vida monástica

 

O Aqueduto

 

O Aqueduto

Y la causa de aver tantas sisternas es porque el monasterio no puede tener fuentes por ser su aciendo alticimo y no tiene agua natural porque o es lo devisa para servicio del comvento o del rio para bever.

Jerónimo Román

A implantação do complexo monástico, em tempos justificada por motivos estratégicos, veio a revelar-se restritiva em termos de disponibilidade de água. O castelo templário dependia de cisternas nas quais se recolhiam águas pluviais de coberturas e pavimentos, indispensáveis a consumos domésticos e extremamente relevantes na eventualidade de assédio ou cerco. Nos primórdios da Ordem de Cristo, marcada ainda pela dualidade freires clérigos e cavaleiros, o recurso exclusivo a cisternas revelava-se frágil: dependia da regularidade das chuvas, dos volumes acumuláveis e de um controle cauteloso de consumos. Admite-se que na Vila de Dentro e no Arrabalde de São Martinho se recorresse a esta estratégia, eventualmente complementada pela abertura de poços. São parcas as descrições que antecedem as cronologias de estudo, contudo pequenas referências a laranjais e até a jardins denunciam regas para além dos consumos domésticos.

A expansão da casa ao longo dos séculos XV e XV foi acompanhada pela construção de grandes tanques e cisternas, descritas nos ocho claustros Jerónimo Román, que ainda admirou a solução adoptada na cozinha que tiene dentro un poço án que se seva de una sangradera que se hiço en una gran sisterna con maravilloso artificio del qual se prove de toda la agua necessaria para aquesta ofecina es proveida i limpia.

Com D. João III realizam-se alterações profundas no Convento, delimita-se a cerca e impõe-se novas regras de clausura dos freires. Contudo, as disponibilidades de água não acompanharam as crescentes exigências consumptivas domésticas e agrícolas. Justifica-se, assim, o arranque da construção do aqueduto a instâncias de Filipe II de Espanha. O vasto empreendimento iniciou-se por 1595 com a aquisição dos terrenos onde se identificaram as nascentes e se perspetivava a travessia de galerias e pegões. Arrastou-se para além da morte de Terzi que assegurou a direção das obras deste monumento, sendo concluído em 1619 com a ligação à fonte do claustro maneirista. Esta construção notável recolhe a água das nascentes do Cano e do Vale da Pipa e ainda do Cú-Alagado e da Porta de Ferro. Inicia-se na freguesia de Carregueiros, assegurando a condução gravítica das águas através de galerias subterrâneas, troços ao nível do solo e outros elevados sobre arcarias de alvenaria. Compreende, para além da caleira ou levada semicircular de calcário, artifícios hidráulicos como poços de visita, desvios para transvase de excessos e caixas de decantação, algumas integradas em pavilhões que remetem para a antiguidade. Entra na cerca debitando no grande tanque designado como Cadeira d’El-rei, distinguindo-se, na caixa de divisão fechada, as águas destinadas ao Convento, respetivos pomares e hortas, das restantes, orientadas para reservatórios que assegurariam os regadios do antigo vale nos quais se privilegiava a agricultura e onde talvez fossem cultivadas algumas plantas destinadas à Botica.

 

 

 

Sala da Bela Vista

 

Sala da Bela Vista

A Sala da Bela Vista, ou Sala dos Cavaleiros, apresenta-nos um magnífico teto de forma octogonal subdividido em oito caixas trapezoidais, ligadas ao centro por outras oito menores, e tendo como motivos pictóricos elementos vegetalistas; flores e algumas folhas. A beleza e esplendor do conjunto sugerem que, para além da bela vista que se vislumbra através das janelas, existe uma outra bela vista no interior da sala: a da pintura do seu teto.

Das espécies de flores identificadas, destacam-se de imediato as rosas, não só porque aparecem representadas em número superior, mas também porque são o tema principal dos medalhões pintados no interior das molduras trapezoidais.

Encontramos, também, tulipas, cravos, junquilhos, folhas de oliveira, que formam as molduras das caixas, ornitogalo (também conhecido como estrela de Belém), ranúnculos, prímulas e acantos (que surgem de forma estilizada). Nem todas as flores são identificáveis pois, nalguns casos, foram imaginadas pelo pintor, apenas com fins decorativos ou para melhorar a composição pictórica.

A pintura do teto da Sala da Bela Vista, embora semelhante a outras que lhe são contemporâneas, e podendo ser baseada em gravuras que circulavam desde há muito na Europa, terá sido, certamente, encomendada com um propósito específico. Apesar de pouco se saber acerca da sala e respetivo teto, o significado e simbologia das flores representadas poderá, eventualmente, contribuir para clarificar o sentido deste conjunto.

Uma das hipóteses é a ligação desta pintura ao culto Mariano. A rosa é a flor que maior ligação tem a Nossa Senhora, simbolizando a Graça, a pureza celestial da Mãe de Cristo, a primeira entre as flores, assim como Nossa Senhora é a primeira entre as mulheres.

Também a gama de cores utilizada nos orienta para o culto Mariano. O azul claro e o cor de rosa utilizados nas flores, estão geralmente associados a este culto, sendo Nossa Senhora representada, frequentemente, com vestes azuis claras, simbolizando esta cor o divino, o céu e os valores espirituais. O cor de rosa é composto pelo branco, que simboliza a pureza celestial associada a Nossa Senhora, e o vermelho que simboliza Jesus ou o sangue por ele derramado na Cruz. Como se pode verificar, as caixas onde estão pintadas as flores são todas elas delimitadas por faixas que têm o vermelho como cor de fundo.

A simbologia das flores não pode ser analisada fora do contexto em que se insere e, para cada flor, existe mais do que um significado possível, que varia de acordo com a época. As flores, no geral, significam esperanças, sentimentos positivos, pois delas se esperam coisas boas (os frutos); a mocidade, o efémero, pela sua curta vida; o Salvador do Mundo pois, como ele, a flor do campo é única e nasceu sem intervenção do Homem.

As flores cortadas, como as que aparecem nas faixas e nos ramos mais pequenos, representam também a brevidade da Vida.

Muitos destes significados são originários da mitologia clássica (envolvendo Vénus, Dafne, Adónis) tendo sido, posteriormente, incorporados na simbologia cristã.

 

Rosa - Simboliza a Graça (Avé Maria cheia de Graça…), a Virgem Maria. A rosa sem espinhos é associada a Nossa Senhora, que concebeu sem pecado, e representa o culto Mariano.

Cravo - Tal como indica o seu nome científico (Dianthus), simboliza a flor de Deus, o amor maternal infinito e puro de Nossa Senhora a seu filho Jesus.

Tulipa - Representa a Graça divina, o Espírito Santo e o Amor Divino, mas também a fragilidade dos bens terrenos.

Junquilho (narciso) - Simboliza o triunfo da vida eterna sobre a morte e os sacrifícios feitos por Cristo e pelo Homem.

Prímula - Atributo a Maria, o nome significa primeira, como Maria foi entre as mulheres.

Anémona - Simboliza a Paixão de Cristo e a crucificação, representando, as marcas vermelhas nas pétalas, as gotas de sangue das chagas de Cristo.

Oliveira - Símbolo da Paz, da paz de Deus com o Mundo e da paz com o próximo.

 Claramente uma referência à passagem do hino Lauda Sion Salvatorum, escrito por São Tomás de Aquino em louvor do Santíssimo Sacramento da Eucaristia, a frase Mors est malis, que ainda é possível ver numa placa de madeira no teto da Sala da Bela Vista, corresponderia a uma outra placa, já desaparecida, situada no lado oposto, e cuja inscrição seria Vita bonis.

Summunt boni, summunt mali;

Sorte tamen inaequali,

Vitae vel interitus,

Mors est malis, vita boni:

Vide paris sumptionis

Quam sit dispar exitus.

(Recembem-No os bons e os maus igualmente, todos recebem o mesmo, porém com efeitos diversos: os bons para a vida e os maus para a morte. Morte para os maus e vida para os bons: vede como são diferentes os efeitos que produz o mesmo alimento.) 

Reforçando a simbologia cristã da pintura do teto, o número oito domina a estrutura conceptual do teto e da própria Sala. A pintura está inserida num octógono, que se divide em oito trapézios maiores (que contêm os grandes conjuntos de rosas) e oito mais pequenos (junto ao centro onde estão inseridos os raminhos de duas ou três flores). Na simbologia cristã, o número oito representa um novo começo, a Ressurreição e está ligado a vários episódios bíblicos: foram oito as pessoas que se salvaram na Arca de Noé, e foi a elas que a pomba levou um ramo de oliveira, simbolizando a paz de Deus com o Mundo.

Finalmente, refira-se que a forma do teto se reflecte no pavimento, reforçando o octógono e criando um desenho semelhante a algumas pias baptismais ou batistérios. Temos, assim, juntamente com a Eucaristia, dois dos momentos mais marcantes da vida cristã simbolizados na Sala da Bela Vista.

O Jardim da Botica

 

O Jardim da Botica 

De que poderá morrer um homem que tem sálvia no jardim? [...]

Não há no jardim remédio que vença o poder da morte.

P. Font Quer, Plantas medicinales — El Dioscórides Renovado

Subsistem referências literárias remotas de hortos nos quais se cultivavam plantas medicinais. Registos cartográficos antigos são menos comuns: a planta do mosteiro beneditino de St Gallen, anterior ao século XIII, inclui uma pequena área dividida por talhões, próxima da enfermaria, reservada ao cultivo destas plantas. Nestes jardins, por vezes murados, plantas cobiçadas pelas pretensões de imortalidade eram objeto de cuidados extremos.

Associa-se correntemente o jardim à clausura inóspita, contígua à Botica e Enfermaria filipinas. Contudo, são desconhecidos testemunhos que confirmem localizações e cronologias precisas: descrições de antigos viajantes enaltecem edifícios e destacam a Botica, enunciando esporadicamente laranjais e vergéis; livros de receita e despesa consultados incluem contratações indistintas de hortelãos; eventuais vestígios construídos foram destruídos ou dissimulados pelas obras posteriores à secularização dos bens, extinção das ordens religiosas e invasões francesas. Acresça-se que a implantação deste horto no esporão pedregoso e seco do castelo, marcado pela entropia do estaleiro contínuo, divergiria da ideal, principalmente se confrontada com cenários privilegiados da envolvente. Consequentemente, persistem muitas dúvidas quanto ao jardim da Botica no Real Convento de Thomar.

A importância da Botica, destinada aos freires da Ordem e ainda a los de la villa, exigiria autonomia em termos de produções, não se admitindo a estrita dependência de abastecimentos externos, tal como depreensível da análise das Pharmacopeas e Materia Medica de Jacob de Castro, registadas nos Inventarios das Officinas. Admite-se que, nos primórdios, a Botica fosse dominada por nativas como o alecrim, a losna, o funcho-doce, o loureiro e o lentisco, a que se acresciam as tradicionais cebolas, coentros e limoneiras. E… excecionalmente exóticas da restante Europa, do Norte de África e da Ásia, seguindo rotas milenares. A partir do século XV introduziram-se novas espécies ultramarinas. Na Lisboa de quinhentos plantava-se dragoeiros das Canárias, de onde se extraía o famoso Sangue-de-Drago, e utilizava-se a erva sancta ou tabaco para fins medicinais. A presença da África, do Oriente longínquo e do Novo Mundo nas boticas nacionais acentua-se pelos séculos XVII e XVIII, confirmando-se a cultura de exóticas em território nacional, nomeadamente do azevre ou aloé, da dormideira ou papoila branca, da qual se extraía o ópio e do Sassafrás. Nem todas as plantas vingariam em Tomar, sendo premente a aquisição de derivados a outras casas monásticas ou a privados, que controlariam a importação e distribuição de processados longínquos como o agárico branco do Norte da Europa, os cravos-da-Índia, a canafístula, já produzida em Cabo Verde, e o gengibre proveniente de África e Jamaica.

A relevância dada às 73 espécies listadas nos Simplices Vegetaveis de 1758 pode justificar o jardim conventual ou o recurso alternativo a hortas locais: 64% das nativas e exóticas vingariam na região, podendo ser neles cultivadas, algumas simplesmente colhidas nas várzeas, pousios e matagais. Desta forma controlava-se a quantidade e qualidade de produções, a disponibilidade de frescos e a redução de gastos na aquisição das restantes.

A Cerca

 

A Cerca

...Bem junto à ribeira do antigo Nabão, a par de um lugar fresco, a que os seus moradores por justa ocasião chamaram os Sete Montes, porquanto sete montes o rodeiam todo, está uma floresta tão oculta aos olhos dos pastores, que parece que não só à vista mas também aos pensamentos se nega entrada nela.

Fernão Álvares, finais século XVI.

Em 1497 dá-se a reforma administrativa da Ordem, sucedida dois anos depois pelas alterações impostas por D. Manuel: expulsão de leigos para a Vila de Baixo; aquisição das propriedades laicas da almedina ou Vila de Dentro, a sequente demolição e o entaipamento da Porta do Sangue. Estas intervenções decorreram em sintonia com a remodelação dos edifícios entre 1507 e 1515, o aterro da velha praça de armas e o nivelamento do terreiro e até a construção de novos paços que comprometerem parte do pomar contíguo à Alcáçova.

Os desvios constatados à regra justificaram a imposição de novas orientações à Ordem de Cristo, restringindo-se os freires a clausura e potenciando a devoção muitas vezes esquecida no Convento. Surgiu, assim, a Ordem Contemplativa de Tomaristas por 1529, reintegrada nos estatutos manuelinos no reinado de D. Henrique, definitivamente preteridos por Felipe II de Espanha.

Seguiu-se o vasto programa de obras promovido por D. João III, encomendado por carta de 1530 a João de Castilho e supervisionado por Frei António de Lisboa. As alterações estatutárias não justificaram apenas estas alterações profundas no edificado com a construção de dormitórios, claustros, capelas, refeitórios, dependências de apoio, enfermaria, hospedaria e portaria e, talvez, o aterro sobre o antigo arrabalde de São Martinho. Urgia assegurar proventos para as obras do magnífico edifício, orientados muitas vezes por determinação régia, e garantir a autossuficiência da casa em função dos novos quotidianos.

Alvarás atestam a avaliação ou a afetação de propriedades. Murou-se a cerca pelos anos 40 do século XVI como unidade produtiva indispensável à subsistência dos freires enclausurados. A delimitação da cerca de grandes dimensões contígua ao Convento revelou-se criteriosa. Aproximou-se das cumeadas que delimitam a bacia hidrográfica que atinge cerca de 40 ha e que drena pelo talvegue de Riba Fria, incorporou várias nascentes e abrangeu solos distintos: profundos, no vale, em tempos hortas e pomares; de encosta, onde vingariam semeaduras, vinhas e olivais; declivosos nas imediações de festos cobertos por resíduos das antigas matas, de igual forma essenciais no contexto de uma casa monástica. Testemunhos dos velhos sistemas de rega, restos de anexos de lavoura e ruínas de um lagar, denunciam o antigo carácter agrícola dissimulado entre as plantações da atual Mata dos Sete Montes.

Na cerca, a vertente recreativa não foi descurada. Múltiplos percursos, pontuados por pequenas zonas de estadia, conduzem a uma casa de regalo quinhentista, descrita por José António dos Santos no último quartel do século XIX como tendo a forma de um pavilhão circular em arcadas, coberto com sua cúpula de abóboda e construído no meio de um tanque que diversas arvores e arbustos circundam e dão sombra.

O Castelo e o Convento de Cristo, entre os séculos XII e XVII

 

O Castelo e o Convento de Cristo, entre os séculos XII e XVII

O Castelo de Tomar, de 1160, foi construído para acolher duas comunidades distintas: os cavaleiros templários e os habitantes da vila. Cada comunidade tinha o seu próprio recinto. O morro do Castelo pertencia a um grupo particular de sete colinas que circundavam um pequeno mas profundo vale: o vale da Riba Fria.

Em 1357 o Castelo de Tomar torna-se a sede da Ordem de Cristo.

Em 1417 o Infante D. Henrique torna-se mestre laico da Ordem e vai transformar a velha casa militar dos Templários num convento para um ramo de frades contemplativos que ele introduz no seio da cavalaria. Os Claustros do Cemitério e da Lavagem surgem com o Convento Henriquino. O Infante também mudou a missão dos Cavaleiros que vão ser os navegantes das Descobertas Marítimas.

Em 1497, como o intuito era o de transformar todo o Castelo em espaço conventual, el-rei D. Manuel I expropriou os últimos moradores do Castelo e mandou entaipar, a pedra e cal, a porta da primitiva vila.

Em 1510, D. Manuel I ordenou a ampliação da igreja templária para ocidente, extramuros do Castelo, descendo com a construção até à base da colina.

D. João III, em 1528, encetou uma profunda reforma na ordem de Cristo, de modo a confinar os freires religiosos à estrita observância da vida de clausura, como simples frades contemplativos. Para consumar o seu objectivo, construiu um novo e grandioso Convento para poente, extramuros do Castelo, em torno da igreja ampliada por seu pai, o falecido rei D. Manuel I. É o convento do Renascimento ao qual todo o lugar dos Sete Montes vai ficar ligado por um extenso muro que circunda a cumeada dos montes para constituir a Cerca conventual.

Quando Portugal perde a sua independência, em 1580, o rei espanhol Filipe II, herdeiro do trono português, torna-se mestre da Ordem de Cristo e ordena a construção do aqueduto que percorre uma distância de 6 km para levar a água ao Convento.

Após 1640, com a Restauração da Independência de Portugal, o novo rei, D. João IV, reinicia trabalhos de construção do Convento, suspensos durante os reinados de D. Filipe III e D. Filipe IV de Espanha. O Convento tem, novamente, um arquitecto para realizar as obras que serão concluídas em 1690 com uma nova enfermaria e uma nova farmácia.

O convento iniciado por D. João III fica assim concluído 160 anos depois.

 

 

Convento de Cristo / Igreja do Castelo Templário
2300-000 TOMAR
t: +351 249 315 089
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